Por Letícia Maria da Silva
A responsabilidade do sócio retirante na execução civil é tema relevante no direito empresarial e processual, com implicações práticas frequentes. A retirada formal de um sócio da sociedade não implica sua imediata exclusão das obrigações assumidas enquanto integrava o quadro societário. Essa responsabilidade residual é regulada principalmente pelo Código Civil e também pela legislação processual, com respaldo consolidado na jurisprudência, visando à proteção dos credores e à preservação da segurança jurídica.
Nos termos do artigo 1.032 do Código Civil, a retirada do sócio não o exonera das obrigações sociais contraídas até dois anos após a averbação da sua saída na Junta Comercial ou registro competente. Essa norma evita que alterações no quadro societário prejudiquem credores, possibilitando a responsabilização do ex-sócio por dívidas anteriores à sua retirada, durante o prazo legal. Contudo, essa responsabilidade é subsidiária, ou seja, apenas se o patrimônio da sociedade for insuficiente para saldar suas dívidas é que o ex-sócio poderá ser responsabilizado. Não se admite, portanto, sua imediata inclusão em execução sem a comprovação de exaurimento dos bens sociais. Além disso, é essencial que a retirada seja devidamente averbada. Caso contrário, subsiste a presunção de que o sócio ainda integra a sociedade, o que pode estender sua responsabilidade além do prazo legal. Ainda mais significativo é o fato de que a responsabilidade do sócio retirante só será mantida se sua retirada for regularmente averbada nos órgãos competentes, como a Junta Comercial. Se não houver esse registro, persiste uma presunção de que ele ainda faz parte da sociedade, o que amplia sua responsabilidade indefinidamente, independentemente de o prazo de dois anos ter expirado. Há, ainda, situações excepcionais, como a dissolução irregular da sociedade ou a prática de fraude contra credores, que podem ensejar a responsabilização direta do sócio retirante. Nessas hipóteses, é possível a desconsideração da personalidade jurídica, conforme o artigo 50 do Código Civil, desde que comprovado que o ex-sócio se beneficiou ou contribuiu para o ato ilícito por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, trouxe inovações importantes ao regulamentar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133), assegurando ao sócio, inclusive o retirante, o exercício do contraditório antes da constrição de seus bens. Essa previsão busca evitar decisões unilaterais e arbitrárias, reforçando a segurança jurídica. Em consonância com a legislação, o Superior Tribunal de Justiça tem reafirmado que a responsabilidade do sócio retirante se limita às obrigações assumidas enquanto ele integrava a sociedade, pelo prazo de dois anos após a averbação da modificação contratual. No julgamento do Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.759.517/SP, a Terceira Turma decidiu:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. SÓCIO RETIRANTE.
RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL. LIMITE TEMPORAL. DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO. 1.
Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na hipótese de cessão de quotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até 2 (dois) anos após a averbação da respectiva modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade. 3. É firme, no âmbito do STJ, a compreensão de que é vedado o comportamento
contraditório (venire contra factum proprium), a impedir que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar
comportamento posterior contraditório. 4. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt nos EDcl no REsp: 1759517 SP
2018/0177336-3, Data de Julgamento: 05/09/2022, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2022).
Diante disso, é recomendável que o sócio, ao se retirar, averbe imediatamente a alteração contratual, delimitando o prazo de sua responsabilidade. Além disso, é prudente solicitar certidões negativas (fiscais, trabalhistas e bancárias) e incluir no instrumento contratual cláusulas que mitiguem ou excluam futuras responsabilidades, com apoio jurídico adequado. Tais medidas reduzem o risco de responsabilizações inesperadas.
Por fim, é fundamental que a responsabilização do sócio retirante seja conduzida com respeito ao contraditório e à ampla defesa, princípios basilares do processo. A jurisprudência brasileira tem evoluído no sentido de equilibrar a proteção dos credores com a limitação legal da responsabilidade dos ex-sócios, reforçando a previsibilidade e a estabilidade nas relações societárias