Por Jade Andressa Isaac Xavier.
O cenário tributário brasileiro é um ambiente em constante evolução, marcado por reinterpretações e decisões judiciais que definem o planejamento fiscal das empresas. Recentemente, uma das mais impactantes mudanças foi proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema Repetitivo 1079: o fim do teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo das contribuições parafiscais destinadas às entidades do “Sistema S”, que engloba instituições como SESI, SENAI, SESC e SENAC.
Por muito tempo, a limitação da base de cálculo das contribuições ao “Sistema S” a 20 salários mínimos foi entendimento consolidado no meio jurídico e empresarial. Essa prática encontrava respaldo na Lei 6.950/1981, que, ao equiparar essas contribuições às previdenciárias, aplicavam a elas o mesmo limite máximo. Tal uniformidade proporcionava uma previsibilidade importante para as empresas, permitindo um planejamento financeiro mais estável.
Para empresas com um grande número de empregados e alta folha de pagamento, esse teto significava uma economia tributária significativa e estratégica, pois a contribuição, que tem como base a folha salarial total, incidia apenas sobre um valor limitado, e não sobre o montante integral da remuneração de seus funcionários. Por décadas, essa jurisprudência pacífica moldou a contabilidade e o departamento jurídico de inúmeras organizações, que confiavam na estabilidade desse entendimento para gerir seus encargos.
Contudo, essa estabilidade foi posta à prova e, finalmente, alterada pela Primeira Seção do STJ. Em um julgamento de grande relevância sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1079), o cerne da discussão estava na validade do art. 4º da Lei n. 6.950/1981, que estabelecia o referido teto.
O STJ acolheu a tese da União, após uma análise profunda do Decreto-Lei n. 2.318/1986. A conclusão foi que, em seu artigo 1º, inciso I, e, por correlação, no artigo 3º, houve uma revogação expressa e implícita das normas anteriores que estabeleciam o teto. O argumento central era que o Decreto-Lei, ao afastar o limite máximo para as contribuições previdenciárias, naturalmente aboliu também o teto para as contribuições parafiscais, que eram a elas atreladas.
A interpretação foi de que não seria lógico manter um “parágrafo único” de um dispositivo legal quando o “caput”, que lhe dava essência e sentido, havia sido revogado. Assim, a partir da vigência daquele decreto-lei, o recolhimento das contribuições ao “Sistema S” não mais estaria sujeito a qualquer limite, passando a incidir sobre a totalidade da folha de salários.
A magnitude dessa mudança exigiu que o próprio STJ, de forma cautelosa e em respeito aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima dos contribuintes, aplicasse a chamada “modulação dos efeitos” da decisão. Reconhecendo as “justas expectativas” geradas pela jurisprudência anterior que validava o teto, o Tribunal determinou que a nova interpretação não seria aplicada de forma plenamente retroativa para todos os casos.
A modulação estabeleceu uma exceção fundamental, impedindo que milhares de empresas fossem surpreendidas com um passivo retroativo gigantesco e punitivo. O direito de aplicar o limite de 20 salários mínimos será preservado exclusivamente para as empresas que, até 13 de março de 2024 (data do início do julgamento de mérito), tinham ajuizado ação judicial ou protocolo administrativo e, além disso, já haviam obtido pronunciamento favorável à sua pretensão de utilizar o teto.
É crucial entender que, mesmo para essas empresas que tiveram o direito preservado pela modulação, o privilégio tem prazo final e determinado: o limite de 20 salários mínimos é aplicável somente até a data da publicação do acórdão do Tema 1079, ocorrida em maio de 2024. A partir de então, também para essas empresas, o recolhimento das contribuições ao “Sistema S” deve ser realizado sobre a totalidade da folha de salários, sob pena de autuação fiscal por parte da Receita Federal.
Para as empresas que não se enquadram nessa exceção da modulação, a decisão do STJ vale de forma integral e imediata, não havendo direito à repetição ou compensação de indébito, criando um cenário de transição complexo, exigindo uma análise detalhada dos marcos temporais e das condições processuais de cada caso.
Tamanha foi a repercussão imediata dessa decisão no cotidiano do Poder Judiciário que, em um reflexo dessa complexidade e do volume de litígios, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que abrange os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, tomou uma medida drástica, porém prudente: a suspensão de todos os processos relacionados ao Tema 1079 que tramitam em sua jurisdição. Essa decisão foi motivada pela constatação de que havia mais de 18 mil ações e recursos sobre o tema somente na 3ª Região.
Para as empresas, o novo panorama exige uma revisão urgente e profunda de seu planejamento tributário. A abolição do teto de 20 salários mínimos implica um aumento substancial na carga tributária para companhias com grandes folhas de pagamento, impactando diretamente seus custos operacionais e competitividade. A janela para obter benefícios da antiga limitação está essencialmente fechada, restrita agora apenas aos casos muito específicos abrangidos pela modulação de efeitos.
O setor jurídico e financeiro das empresas deve, portanto, revisar com urgência a situação de seus processos e garantir o ajuste imediato da base de cálculo das contribuições. Isso é fundamental para evitar a geração de passivos futuros e a imposição de multas fiscais.
Neste âmbito de uma nova realidade fiscal consolidada, a atuação de advogados especializados em direito tributário torna-se mais do que um diferencial, é uma necessidade estratégica, sendo eles fundamentais para analisar o impacto específico em cada negócio, reestruturar o compliance fiscal e, quando aplicável, acompanhar os desdobramentos processuais dos casos modulados, garantindo que as empresas naveguem por esta complexa transição com a máxima segurança e conformidade.
Em síntese, a decisão do STJ no Tema 1079 marca uma virada definitiva na forma de cálculo das contribuições ao “Sistema S”, afastando um teto há muito estabelecido. Embora a modulação de efeitos ofereça um respiro limitado e temporário para alguns casos, a nova regra de incidência ilimitada representa um desafio fiscal para a maioria das empresas. A postura cautelosa do TRF-3, ao suspender os processos, reflete a complexidade da transição e a busca por segurança jurídica. Diante deste cenário de transformações, o monitoramento contínuo das movimentações judiciais e o aconselhamento especializado são indispensáveis para mitigar riscos, garantir a conformidade fiscal e assegurar a saúde financeira no ambiente empresarial.