Por Guilherme Marques Leão de Andrade
Com a chegada da Quarta Revolução Industrial, a Administração Pública vem sendo pressionada a modernizar processos historicamente marcados por burocracia e baixa eficiência. A Lei nº 14.133/2021 reforça essa necessidade ao destacar transparência, publicidade e integridade como pilares para a gestão das contratações públicas. Nesse cenário, tecnologias emergentes deixam de ser opcionais e passam a desempenhar papel estratégico para garantir probidade e confiança social na atuação estatal.
Entre essas inovações, o blockchain destaca-se como ferramenta capaz de ampliar a rastreabilidade e a confiabilidade dos atos administrativos. Trata-se de uma tecnologia de registro digital imutável e descentralizada, que funciona como um livro contábil dividido em blocos criptografados conectados entre si. Cada novo bloco depende da validação dos anteriores, o que impede alterações sem que toda a cadeia seja comprometida. Por sua natureza distribuída, os dados são armazenados simultaneamente em diversos computadores da rede, o que torna tentativas de manipulação praticamente inviáveis.
No contexto das licitações públicas, tais características reforçam diretamente o princípio constitucional da publicidade e a diretriz de transparência prevista na Lei nº 14.133/2021. Editais, propostas, atas e demais documentos podem ser registrados de forma imutável, assegurando que seu conteúdo permaneça íntegro desde a publicação. Além disso, o acompanhamento das etapas licitatórias torna-se mais claro e seguro, ao passo que cada ato pode ser registrado como um bloco sucessivo, facilitando auditorias e reduzindo o espaço para fraudes ou alterações indevidas.
A tecnologia também pode aprimorar a transparência nos pagamentos e na execução contratual, permitindo o acompanhamento público do desembolso de recursos e da entrega das obrigações pactuadas. Isso contribui para a efetividade dos princípios da probidade, moralidade e eficiência, reforçando mecanismos de controle interno e social.
Todavia, apesar de seu potencial, a adoção do blockchain enfrenta desafios relevantes. O primeiro é estrutural: muitos órgãos públicos ainda operam com sistemas defasados e dependem de investimentos em infraestrutura, conectividade e segurança digital. Soma-se a isso a necessidade de capacitação técnica dos agentes públicos, que devem compreender e operar sistemas distribuídos mais complexos do que os modelos tradicionais.
Há também limitações jurídicas. A imutabilidade dos registros deve ser compatibilizada com princípios administrativos como a autotutela, a legalidade e a necessidade de revisão ou anulação de atos. Essa tensão exige modelos de governança e regulamentação que permitam conciliar inovação tecnológica com segurança jurídica, especialmente em atividades sujeitas a controle intenso, como as compras públicas.
Por fim, a resistência cultural e a falta de interoperabilidade entre sistemas tradicionais e plataformas distribuídas representam obstáculos reais. A transição demanda mudança de mentalidade, planejamento gradual e integração entre bases de dados, evitando a criação de ilhas tecnológicas isoladas dentro da Administração.
Mesmo com esses desafios, o blockchain não deve ser descartado. Ao contrário, quando implementado com prudência, planejamento e respaldo normativo, representa avanço significativo na direção de uma Administração Pública mais transparente, eficiente e confiável. Sua utilização estratégica tem potencial para fortalecer a governança pública e consolidar práticas administrativas compatíveis com as demandas da sociedade digital contemporânea.