Por: Cláudia Issa Sandri
OAB/SP 145.007
Imagine investir anos na formação de um colaborador ou no relacionamento com um sócio — apenas para vê-lo sair, abrir uma empresa concorrente ou cooptar seus clientes e funcionários. Essa situação, infelizmente comum no meio empresarial, tem nome: concorrência desleal pós-relacionamento profissional.
A boa notícia é que o Direito fornece instrumentos eficazes para prevenir isso: as cláusulas de não concorrência, confidencialidade e não aliciamento. Quando bem redigidas e juridicamente equilibradas, essas ferramentas funcionam como blindagem estratégica para o patrimônio mais sensível da empresa: seu know-how, equipe e clientela.
1. O que a lei permite — e o que limita
A legislação brasileira não proíbe a concorrência, mas restringe a concorrência desleal. É por isso que ex-funcionários, ex-sócios ou ex-prestadores de serviço não podem sair levando segredos comerciais, estratégias internas ou se aproveitando da estrutura que conheceram por dentro.
Porém, as cláusulas que restringem a liberdade de atuação profissional (como a de não concorrência) só são válidas se obedecerem a critérios razoáveis:
- Prazo determinado (normalmente até 2 anos);
- Limitação geográfica coerente com a área de atuação da empresa;
- Compensação financeira quando impuserem ônus real ao ex-funcionário;
- Finalidade legítima (proteção de interesse comercial, não punição).
A jurisprudência tem reconhecido a validade dessas cláusulas, desde que proporcionais e não abusivas.
Um exemplo marcante é a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Cível n. 1064335-07.2020.8.26.0100, julgado em 15/08/2024), que confirmou a validade de uma cláusula de não concorrência prevista em contrato social, com prazo de cinco anos. Apesar da ausência de limitação geográfica expressa, o tribunal entendeu que a cláusula era aplicável ao município onde a empresa estava sediada. Os réus foram condenados ao pagamento da cláusula penal por violação da restrição, inclusive a nova empresa constituída para burlar a cláusula, reconhecida como solidariamente responsável.
2. Cláusula de confidencialidade: a guarda dos segredos do negócio
É comum que colaboradores, sócios ou parceiros comerciais tenham acesso a:
- Estratégias de mercado,
- Informações financeiras,
- Dados de clientes e fornecedores,
- Planilhas e processos internos,
- Campanhas e modelos operacionais.
Essas informações são, muitas vezes, o coração do diferencial competitivo da empresa. Por isso, cláusulas de confidencialidade devem constar nos contratos — tanto durante como após o término da relação.
O sigilo pode ser pactuado por tempo indeterminado ou por prazos longos, desde que tenha base objetiva e razoável.
3. Cláusula de não aliciamento: proteção da equipe e da clientela
Outro problema comum: o ex-funcionário ou ex-sócio sai, e em poucas semanas convida outros funcionários para “pular o muro” com ele — ou entra em contato direto com clientes para levá-los à nova empresa.
A cláusula de não aliciamento busca impedir esse tipo de manobra, vedando expressamente que:
- Funcionários sejam convidados a sair;
- Clientes sejam abordados com base em informações obtidas na empresa anterior.
Essa cláusula tem sido amplamente aceita nos tribunais, sobretudo quando tem prazo definido (normalmente 12 a 24 meses) e abrange apenas relações que existiam à época do contrato.
Um caso prático confirmado pelo TJSP em sede de Procedimento Comum Cível (1112458-31.2023.8.26.0100) incluiu cláusula de não aliciamento com duração de 2 anos após o fim do contrato, prevendo multa contratual em caso de quebra dessa obrigação, justamente porque a parte violadora contratou diretamente ex-colaboradores da outra parte durante o período de vigência da cláusula.
4. Como estruturar essas cláusulas de forma eficaz
Nem toda cláusula é válida. Muitos empresários acham que estão protegidos, mas usam textos genéricos e ineficazes. Veja um checklist mínimo:
✔ Defina prazo e escopo territorial para cláusulas de não concorrência;
✔ Justifique a necessidade da cláusula no contrato (proteção de know-how, investimento em treinamento, etc.);
✔ Inclua cláusula penal clara para casos de violação;
✔ Formalize todas as cláusulas por escrito e com ciência do signatário;
✔ Nos casos trabalhistas, avalie a compensação financeira quando a restrição atingir o direito de trabalho.
5. Contratos bem-feitos evitam perdas irreversíveis
Mais do que uma proteção jurídica, essas cláusulas representam inteligência preventiva. A experiência mostra que quando elas estão ausentes ou mal formuladas, o prejuízo é certo e muitas vezes irreparável.
Em contrapartida, quando a empresa atua de forma proativa, com orientação jurídica adequada, essas cláusulas tornam-se poderosas aliadas para preservar sua base comercial, seu capital intelectual e sua força de trabalho.
Portanto, revise agora os contratos com seus colaboradores estratégicos, sócios e prestadores. O que você deixa de proteger hoje, pode ser o que mais vai lhe custar amanhã.