A Lei do Bem e as Startups: Por Que Sua Inovação Pode Estar Perdendo Milhões em Incentivos Fiscais no Brasil 

Por Ricardo Alexandre Cione Filho.

No cenário global contemporâneo, as startups emergiram como motores inquestionáveis de progresso, redefinindo mercados, impulsionando economias e trazendo soluções inovadoras para desafios complexos. No Brasil, não é diferente, essas empresas vibrantes são vistas como importantes vetores de transformação econômica, social e tecnológica, tanto no Brasil quanto no exterior. Com seus modelos de negócio escaláveis e o uso intensivo de tecnologias digitais, as startups são peças-chave para a dinamização de nossa economia e o aumento da competitividade em escala global.

Contudo, por trás da aura de inovação e disrupção, há uma realidade muitas vezes desafiadora. A análise de José Luis Arisi Hobold aponta para um paradoxo alarmante: enquanto o Brasil busca fomentar a inovação, o sistema tributário nacional se apresenta como um dos maiores entraves para a sustentabilidade e o crescimento dessas empresas. A grande questão é: como podemos liberar o gênio da inovação brasileira se ele está amarrado pela burocracia tributária?

Reconhecendo o valor intrínseco da inovação, o Brasil tem se esforçado para construir um ambiente jurídico favorável ao seu florescimento, com diversas iniciativas legislativas que buscam apoiar o ecossistema empreendedor. O Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182/2021) é considerado “o primeiro esforço legislativo sistemático para definir e regulamentar esse modelo empresarial no Brasil”.

Ele trouxe clareza e diretrizes, estabelecendo critérios como receita bruta de até R$ 16 milhões, até dez anos de inscrição no CNPJ e a declaração expressa de um modelo de negócio inovador. Além disso, introduziu mecanismos de fomento público e privado e regras específicas para a contratação pública de soluções inovadoras, visando um ambiente regulatório mais favorável.

Complementar a este, a Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005), mesmo sendo anterior, permanece como um pilar fundamental para incentivar a inovação, oferecendo benefícios fiscais significativos para pessoas jurídicas que investem em pesquisa e desenvolvimento. Entre esses incentivos, José Luis Arisi Hobold ressalta “a dedução das despesas com pesquisa e desenvolvimento da base de cálculo do IRPJ e da CSLL”.

Outros benefícios incluem “a redução de 50% do IPI na aquisição de bens voltados à inovação; a depreciação e amortização acelerada de ativos relacionados a projetos inovadores; e a aplicação de alíquota zero do IRRF sobre remessas ao exterior destinadas ao registro de patentes e cultivares”.

A Lei da Inovação (Lei nº 10.973/2004) completa esse arcabouço, buscando estimular a pesquisa científica e tecnológica aplicada ao setor produtivo e promover a integração entre instituições de pesquisa e empresas. Essas leis, em conjunto, demonstram uma clara e louvável intenção de fortalecer o ambiente de inovação no país.

No entanto, o grande desafio reside na complexidade e na falta de aderência do sistema tributário brasileiro às particularidades das startups. José Luis Arisi Hobold é taxativo ao afirmar que “o principal obstáculo enfrentado pelas startups é a complexidade do sistema tributário brasileiro, que tem se demonstrado inadequado às suas especificidades operacionais”.

O sistema é notório por sua elevada carga fiscal e forte burocratização, o que, para startups que operam com dinamismo, recursos limitados e a necessidade premente de escalabilidade, representa um peso morto. Essa realidade impõe desafios que vão desde a abertura da empresa até a consolidação do negócio, desviando tempo e recursos preciosos que poderiam ser investidos em inovação e crescimento.

Além disso, a ausência de um regime tributário específico para startups contribui para uma persistente insegurança jurídica, dificultando o acesso a benefícios e políticas de fomento.

O Simples Nacional, com suas alíquotas reduzidas e unificação de tributos, é frequentemente a escolha natural para startups em seus estágios iniciais, oferecendo uma simplificação das obrigações acessórias que facilita a gestão contábil e financeira. Contudo, a análise de Hobold aponta uma deficiência crucial: essa escolha, embora prática, frequentemente “exclui grande parte das startups, especialmente aquelas em fase inicial ou pré-operacional”, do acesso a incentivos fiscais mais robustos, como os da Lei do Bem.

Esta, com seus valiosos incentivos, deveria ser um farol para as startups inovadoras, mas seus requisitos de elegibilidade criam um verdadeiro gargalo. Para usufruir de seus benefícios, a empresa deve estar submetida ao regime de apuração pelo Lucro Real e apresentar lucro fiscal no exercício correspondente.

Essas exigências são, na prática, barreiras quase intransponíveis para a maioria das startups, que em fase inicial ou pré-operacional raramente operam sob o regime de Lucro Real e, mais importante, costumam investir pesadamente em P&D, resultando em prejuízo fiscal nos primeiros anos. Isso significa que justamente as empresas que mais inovam e que mais precisariam dos incentivos são as que ficam de fora.

Adicionalmente, o processo de habilitação é notoriamente burocrático, exigindo a elaboração de relatórios técnicos e o cumprimento de requisitos formais complexos. Essa complexidade é um fardo pesado para startups com estruturas organizacionais enxutas, que muitas vezes não dispõem de equipe jurídica ou contábil especializada para navegar por tais exigências.

A concentração dos incentivos em grandes empresas e regiões mais desenvolvidas, como “se observa ainda”, agrava essa desigualdade no acesso às políticas públicas de fomento, conforme a perspectiva de Hobold.

Mesmo o Inova Simples, criado para desburocratizar a abertura e regularização de startups, apesar de seu potencial, ainda enfrenta “obstáculos práticos, o que limita sua efetividade”, aponta Hobold. A isso soma-se a “falta de clareza sobre sua compatibilidade com os incentivos fiscais da Lei do Bem, gerando dúvidas relevantes e ampliando a insegurança jurídica”, o que significa que uma ferramenta criada para simplificar acaba, em parte, gerando mais complexidade.

Em contraste com a realidade brasileira, a análise de José Luis Arisi Hobold ressalta que “diversos países vêm adotando regimes tributários e financeiros específicos para startups, com base em critérios de faturamento, tempo de operação e grau de inovação”. Esses modelos são desenhados para aliviar a carga fiscal nos primeiros anos de atividade, estimular a formalização e facilitar o acesso a créditos e incentivos. Essa abordagem mais flexível e adaptada às particularidades das startups é um espelho para o Brasil, que ainda carece de um regime tributário específico para startups.

O diagnóstico é claro: há um “descompasso entre as intenções legais e os efeitos práticos das políticas públicas voltadas à inovação”. As medidas atuais, embora bem-intencionadas, “ainda se mostram insuficientes e excludentes quando confrontadas com as peculiaridades do ecossistema empreendedor inovador brasileiro”, segundo a visão de Hobold.

Para que o Brasil possa, de fato, se consolidar como um polo de inovação e colher os frutos do potencial de suas startups, é fundamental uma revisão profunda. José Luis Arisi Hobold conclui que é “indispensável revisar os mecanismos legais de incentivo fiscal, promover políticas mais inclusivas e adaptar a estrutura tributária à realidade do empreendedorismo inovador”.

Isso passa pela criação de um regime tributário que reconheça a natureza do investimento em P&D, a fase de maturidade e o perfil de capitalização das startups; pela simplificação e acessibilidade dos incentivos, reduzindo a burocracia e tornando os processos de habilitação mais transparentes.

Inclui também o suporte e orientação para que startups de todos os portes possam compreender e acessar os benefícios, e a harmonização das interações entre as diferentes leis e regimes para eliminar dúvidas e inseguranças jurídicas.

As startups são, sem dúvida, agentes estratégicos na promoção da inovação, no estímulo ao crescimento econômico e na geração de empregos qualificados. No entanto, como José Luis Arisi Hobold enfatiza, “o sistema tributário brasileiro permanece hostil a essas empresas, dificultando o acesso a instrumentos estatais de fomento à inovação tecnológica”.

A exigência de apuração pelo Lucro Real, a complexidade burocrática e a ausência de um regime tributário adequado afastam as startups dos principais mecanismos de incentivo. Se não houver uma ação decisiva para adaptar e flexibilizar a estrutura tributária e os mecanismos de fomento, o Brasil corre o risco de continuar sufocando o vasto potencial criativo de suas startups, comprometendo a eficácia de suas políticas públicas e perdendo terreno na competitividade global.

Somente com um ambiente normativo verdadeiramente coerente, simplificado e acessível será possível converter o potencial criativo e transformador das startups brasileiras em resultados concretos de desenvolvimento econômico e social. O futuro da inovação no Brasil depende, crucialmente, dessa transformação.  

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